Les élèves de Terminale ont réalisé une interview à l'écrivaine portugaise Isabel Mateus.
Voici les réponses qui ont été faites aux élèves par l'auteure.
RESPOSTAS dadas aos alunos da Académie de Versailles acerca do livro «A
Terra do Chiculate»
1- Porque é que escreveu um livro sobre a emigração portuguesa?
Esta temática há muito que me interessava. Iniciei o seu estudo por causa da
minha tese de doutoramento sobre Miguel Torga, um escritor que se debruça
sobre esse assunto principalmente no que se refere à emigração para o
Brasil ainda no primeiro quartel do século XX, altura em que também ele
emigrou para Minas Gerais, com apenas 13 anos de idade. Desse estudo e
após a defesa da minha tese na Universidade de Birmingham, no Reino
Unido, resultou o ensaio «A Viagem de Miguel Torga» que foi publicado em
2007, pela Gráfica de Coimbra, aliás a mesma editora em que sempre editou
o escritor transmontano Torga. Mas a maior razão para escrever este livro foi
para começar pelo princípio. O princípio de uma emigração em que também
eu fui um dos “reais protagonistas” de que fala Miguel Torga no seu Diário XI,
e que se pode ler na epígrafe d’«A Terra do Chiculate», apesar de nunca ter
saído da minha aldeia. Ou deveria ter começado por uma emigração mais
recente como fiz posteriormente ao publicar, em 2013, «A Terra da Rainha –
Retratos Portugueses no Reino Unido»? Afinal, eu já era emigrante no Reino
Unido desde 2001 e apenas em 2011 publiquei este livro. Mas a minha
verdadeira emigração foi esta, a que se me entranhou na pele ainda antes de
ter memória dela. Tratava-se agora de abordar em primeira mão a emigração
na década de 60 para França, uma diáspora de homens solteiros e também
dos casados que deixavam a mulher e os filhos para trás.
Mas escrevi este livro mais que tudo para dar voz a muitos dos intervenientes
que participaram nesta epopeia, para que estes deixassem o anonimato e
quebrassem o silêncio em que se mantiveram durante décadas. O que de
facto aconteceu, em muitos casos, por causa deste livro. Já havia alguns
filmes de José Vieira que testemunhavam esta dolorosa experiência de
deixar a pátria e das dificuldades encontradas no país de acolhimento. E
também li na altura da minha pesquisa um ou outro livro, como o «Poulailler»
de Carlos Batista. Contudo, havia e talvez ainda haja muito por contar sobre
essa época da nossa história recente. Por exemplo «a criança na diáspora
portuguesa», que ocupa a primeira parte da obra, era algo que tinha de ser
tratado.
2- Em cada capítulo há uma história por pessoa. Porque não fez uma
história global?
Segui o «récit de voyage» à risca, isto é, são relatos verosímeis de pessoas
que existiram na realidade com percursos individuais e que mereciam ser
diferenciados. É como se tivéssemos a voz de cada um deles a contar-nos as
suas peripécias, exprimindo as suas sensações, as suas angústias e mesmo
o seu espanto perante uma realidade diversa daquela que tinham deixado no
país de origem. Mas onde termina a realidade e começa a ficção? Cada
estória individual carrega muitas das características comuns a outras
pessoas que tiveram a mesma experiência da emigração nessa época. Há
quem lhe chame «escrita fragmentada», mas talvez seja a única forma que
encontrei para dar uma certa unidade e harmonia a esta narrativa que
encerra muitas outras.
3- A história é sobre um facto verídico, isto é, a pessoa sobre a qual você
escreve?
Sim, em parte, esta obra tem muito de autobiografia. Refiro-me mormente ao
eu da primeira parte e também da última, em «Desterro e fim». A menina que
sofrera «o naufrágio» cresceu (ao longo da narrativa e na vida real),
esbracejou e, finalmente, já com 40 anos, conseguiu pegar nessa criança ao
colo para ir ao encontro de um passado através de uma viagem física e
metafísica, (re)visitando os locais da infância numa França que sempre lhe
pertencera, mas apenas à distância. Essa reconciliação é possível, mesmo
que haja vazios que jamais poderão ser preenchidos.
4- O título do livro é «A Terra do Chiculate». Porquê Chiculate?
Antes de mais, talvez seja importante explicar o título da obra na totalidade.
Optei por este título sobretudo por duas razões. Por um lado, na década de
60, dizer a «Terra do Chiculate» significaria o mesmo que se nos
referíssemos à «terra da oportunidade», ou seja, literalmente o local de onde
eram trazidas, pelos próprios pais ou enviadas através de familiares ou
vizinhos, as tabletes de chocolate. Quando eu era criança o chocolate e as
restantes guloseimas tornavam-se demasiado caras e raras, principalmente
no interior do país. Na verdade, eram um luxo para as carteiras pobres da
maior parte da população portuguesa no regime do Estado Novo de Salazar
e do seu sucessor Marcello Caetano. E ainda outros bens materiais: roupas,
brinquedos, livros, etc. Isto, sob a perspetiva da criança. Por outro, quando
escrevi este livro e tive conhecimento das fotos de Gérald Bloncourt,
apercebi-me da realidade dos «bidonvilles», da terra escura amassada no
chão e que as galochas dos portugueses pisavam de passagem para as suas
barracas durante o inverno. Daí a ideia de pasta que lembrava a massa com
que se faz o chocolate. Em suma, quer para os miúdos, quer para os graúdos
a França representava «uma vida melhor».
O vocábulo «chiculate» é um registo linguístico do português oral de Trás-os-
-Montes. As pessoas mais idosas pronunciavam a palavra deste modo. E eu
aprendi esta palavra com a minha avó materna ou a «mãe dos netos».
5- O que é que este livro significa para você?
Significa muito. Tendo sido filha de pais emigrantes, a experiência da
emigração foi para mim, nos meus primeiros anos de vida, sobretudo
sinónimo de ausência e de abandono. Como muitas outras crianças, era
órfão de pais vivos em França. Até que o meu pai biológico faleceu mesmo,
tendo eu apenas 4 anos de idade. Por esse motivo, a primeira parte desta
obra se intitula «Naufrágio». Não, o meu destino e a sorte de muitos meninos
e jovens portugueses não começaram pela viagem tal qual como na época
dos Descobrimentos, visto que esta obra obedece, em parte, à mesma
estrutura do relato da literatura de viagens. A História Trágico-Marítima de
que são testemunho os relatos de naufrágios das caravelas portuguesas foi,
segundo Torga, menos dilacerante que esta História Trágico-Telúrica da
emigração de 60. Esta iniciou-se pela perda (naufrágio) em vez de seguir a
ordem natural do relato de viagens de Quinhentos: viagem, naufrágio e
desterro e fim. Mas não podemos cingir esta obra à sua primeira parte.
Assim, significa também todas as dores e algumas alegrias dos que partiram
com os seus pais, dos que já nasceram em França, dos que passaram a sua
infância e juventude num vaivém, ora lá ora cá e ainda as saudades que
fizeram muitos regressar à pátria ou aqueles que continuam a viver com um
pé em cada país. Nesta viagem coletiva, a última parte da obra que trata da
reconciliação com o passado memória viva é possível, apesar de em certos
dias e em determinados momentos esse equilíbrio entre as lembranças e o
presente ficar periclitante.
Porém, este livro significa igualmente o acesso às roupas, aos livros e aos
brinquedos avançados e bonitos da infância que de outra forma não
existiriam para mim nem para as outras crianças que ficaram ao cuidado dos
avós, parentes ou inclusive vizinhos tal como eu, se não fosse a emigração.
E significa ainda a alegria de receber o Pai Natal de chiculate...
6- Esta obra deu-vos oportunidades e experiências?
Sem dúvida. De resto, tive a sensação de que antes da publicação deste livro
não conhecia ninguém. Houve nomes e contactos de então que permanecem
vivos passados 8 anos da publicação deste livro. Nathalie de Oliveira,
candidata pelo partido socialista francês às eleições europeias de 26 de
maio, é uma dessas pessoas. Aliás, foi ela quem fez o prefácio deste livro.
Também já referi o nome do fotógrafo da emigração portuguesa que faleceu
recentemente e que me cedeu generosamente tanto a foto da capa, como
alguns dos retratos que se encontram no seu interior. Devido aos contactos
da Nathalie, à época Conselheira Municipal na câmara de Metz, na Lorraine,
estive nessa cidade para falar com os «reais protagonistas» da emigração da
década de 60 e também de uma emigração mais recente. Tive igualmente a
colaboração do Consulado de Strasbourg.
Com este livro, já participei em Colóquios e Congressos nacionais e
internacionais, visitei universidades e estive em escolas (Londres, Paris,
Macau e Portugal) para falar de emigração. Também já foram dramatizados
excertos desta obra por alunos de escolas portuguesas e eu própria subi ao
palco em Macau para fazer parte da peça «TRACES» levada a cena pela
coreógrafa e bailarina lusodescendente Sosana Marcelino. Posso dizer que
não é fácil traçar nem o percurso desta obra, nem o meu desde a sua
publicação. Foi inclusive alvo de divulgação em parceria com o filme «La
cage dorée», de Ruben Alves. Já foram escritos vários artigos em revistas e
jornais acerca do livro «A Terra do Chiculate» e em 2015 foi traduzida para
francês por Cristina Isabel de Melo e publicada pelas Éditions Vagamundo.
Penso que esta obra já pode ser considerada uma narrativa de referência
quando se fala de emigração, estando presente em museus da emigração e
em lugares que evocam a «Memória Viva» da nossa diáspora. Esse
reconhecimento é muito gratificante.
7- Quais os temas que vos inspiram além da emigração?
Sobretudo a ruralidade. Esta temática é bastante abrangente e nela incluo
aspetos como a conservação e revalorização de espécies autóctones da
Península Ibérica quer no que diz respeito à fauna, quer à flora. No primeiro
caso, iniciei em 2013 a «Coleção Dos Bichos» que já conta com 5 volumes.
O livro «As Árvores com que Crescemos – Poemas da Natureza» aborda
sobretudo árvores autóctones. Mas também contemplo os nossos usos,
costumes, tradições, superstições, lendas, etc. Fiz ainda uma pequena
incursão pela Literatura de Fantasia com a obra «Almas Penadas e Outros
Contos Fantásticos», em 2018.
8- Como se organiza para escrever um livro quando tem uma ideia?
Normalmente, nos livros que escrevi até ao momento não prescindo de dois
elementos essenciais: a memória e a pesquisa. No intervalo destes dois
pilares basilares para a minha escrita, acrescento a criatividade e a grande
importância que dou ao registo da língua sobretudo no caso das falas das
personagens. Isto acontece em quase todas as minhas obras e «A Terra do
Chiculate» não é exceção. Aqui a maior evidência está presente nos diálogos
das mulheres e dos homens do povo, dos campesinos que deixaram as suas
aldeias e que carregam com eles toda uma cultura rural. E isso vê-se no
modo de vestir, naquilo que cozinham e no modo simples e natural como se
exprimem. Encontramos nesta obra muitos regionalismos e ainda o novo
léxico que estas personagens criam devido ao intercâmbio cultural com o
país de acolhimento. Expressões como «bem seguro» e «vacanças» são
apenas alguns dos exemplos, entre outras.
De facto, tudo começa a partir de uma ideia à qual se tenta dar uma
estrutura, porém a narrativa tende a evoluir consoante os estímulos que o
autor vai tendo ao longo dessa pesquisa e das tais memórias a que já me
referi. Mas nada é definitivo até ao último momento, ao desfecho da narrativa.
O próprio título da obra pode ser alterado mesmo quase na altura em que o
manuscrito vai para impressão. Ou, pelo menos, raramente este corresponde
ao título inicial.
P.S. Preferi dar-vos as respostas por escrito e não a alta voz, pois este livro jamais
me deixará indiferente e não gostaria de ter de interromper o meu discurso para
derramar alguma lágrima, ficando a minha voz embargada e, quiçá, a comunicação
se viesse a tornar difícil. Por isso, peço que cada um leia a resposta à pergunta que
fez. Muito grata a todos! Abraço forte.
Isabel Mateus
